Cruel e real, "A Lista de Schindler" convida o espectador a assistir e vivenciar o terror e a tortura sofrida pelos judeus durante o regime nazista.
Já assistiu a um filme que você achou que não aguentaria ver até o final pelo alto nível de brutalidade das cenas e a sensação de angustia que elas te causavam? Então, se está pensando em assistir "A Lista de Schindler", se prepare, porque ele é o típico filme que fará você repensar a existência da humanidade.Infelizmente, o emprego dessa afirmação não foi uma força de expressão. O longa de 3 horas e 15 minutos não só convida, como exige que o espectador faça uma autoavaliação de seus valores e revisite situações do cotidiano em que foi omisso quando poderia ter feito o essencial: ajudar!
Oskar Schindler foi um alemão que percebeu nos judeus uma oportunidade de mão de obra barata durante a ascensão do regime nazista, na Alemanha. Fazendo valer sua influência entre poderosos integrantes do partido de Adolf Hitler, subornando oficiais e membros da SS, Schindler adquiriu autorizações e contratos para a abertura de uma fábrica que fornecia panelas para o exército.
Com a relocação dos judeus poloneses para o Gueto de Cracóvia, Schindler se aproveitou da situação e convenceu um contador judeu chamado Stern a auxília-lo na busca por operários para trabalharem em sua nova fábrica e convencer empresários judeus a financiá-la em troca de alguns produtos produzidos. Sem conhecimentos de como gerir uma empresa, o alemão delega a função de administrador para Stern, enquanto ele apenas lucra e encena sua posição de "Herr Direktor".
Inteligente e astuto, Stern identifica o trabalho na fábrica como um meio de melhorar, de forma mínima, a situação de alguns judeus dentro do gueto, uma vez que não poderiam ser assassinados ou sofrerem tortura, pois eram propriedades de Oskar Schindler.
Com a chegada do tenente Amon Göth em Cracóvia, o terror é instaurado. É decretado o fim do gueto e inicia-se a Operação Reinhard, uma ação truculenta de evacuação do espaço e massacre a centenas de pessoas que se recusaram a deixar suas casas para serem levadas ao campo de concentração de Plaszów. É assistindo ao assassinato e tortura do alto de um morro, que Schindler se dá conta que, para alguns, a sua fábrica é a única coisa que os mantém vivos.
Amon Göth interpretado por Ralph Fiennes |
E não poderia estar menos certo quanto a isso. Além da linguagem poética que empregou, as cenas estão repletas de uma carga dramática que está ali justamente para incomodar, o preto e branco reforçam a insanidade e terror do contexto histórico. Spielberg conversa com as emoções e sentimentos do espectador através da paleta de cores. Quando inicia o filme colorido e depois ele torna-se cinza simbolizando o início da ascensão nazista. A menina do casado vermelho sendo levada por um soldado alemão em meio ao massacre de Cracóvia simbolizando o sangue judeu derramado. O diretor age com a sutileza de um pintor revelando seus segredos sobre uma tela, mas com um impacto que desestabiliza até o mais frio dos homens.
As cenas de violência e execução evidenciam a crueldade que caracterizaram o genocídio. As tomadas não foram suavizadas em nenhum momento e no decorrer do longa não é incomum assassinatos arbitrários e por motivos torpes serem retratados.
A desenvoltura de Liam Neeson na pele de Oskar Schindler é palpável. O ator reproduz com maestria desde a simples ambição de enriquecer às custas da desgraça humana até a abdicação total de sua riqueza para salvar o outro. Ele trabalha um personagem de extremos executando uma atuação impecável.
Por outro lado, o BAFTA de melhor ator coadjuvante para Ralph Fiennes no papel de Amon Göth, na época, seria no mínimo esperado. Retratando um psicopata, Ralph não só convenceu, como incutiu Amon no imaginário de quem assistiu ao longa como um completo monstro. Fiennes inspira medo, terror, tragédia, ódio e revolta. Quem é Lord Voldemort perto do oficial da SS que tinha como hábito matinal praticar tiro ao alvo com judeus?
Ralph Fiennes e Liam Neeson |
Mas, por mais clichês que elas possam ser, como não questionar o que levou uma das maiores civilizações do mundo, berço dos maiores filósofos e pensadores da humanidade, a se deixar levar por um discurso regado à ódio?
Entretanto, além do que já foi explorado, "A Lista de Schindler" questiona valores da nossa sociedade, estimula a discussão sobre quanto vale a vida. Incomoda quando intima o espectador a se questionar quem ele salvaria e quem ele deixaria nas mãos de Amon para morrer.
O debate mais profundo que se pode extrair da história é sobre a omissão que todos os dias o homem comete com o seu semelhante. A narrativa se expande ainda para questões psicológicas e filosóficas.
"A Lista de Schindler" é sensível, delicado, tocante. Em contraponto é angustiante, cruel, perverso, violento. É uma história que testa os limites do homem, da fé, coragem, ética e empatia. É um filme que muda conceitos, quebra paradigmas e reforça ideologias. Sim, ele é um longa de contradições, mas o que esperar da história de um homem que ambicionava crescer se favorecendo da chacina e da tortura e, ao invés disso, salvou 1.100 pessoas da execução por câmara de gás do campo de concentração em Auschwitz?