[Artigo] Todos deveriam conhecer Lili Elbe
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Há algum tempo atrás eu precisei assistir "A Garota Dinamarquesa". E agora, depois de digerir tudo aquilo e de pesquisar mais, nós precisamos conversar sobre Lili Elbe.
Lili Elbe |
É válido apontar que as questões de gênero estão cada vez mais em voga atualmente. Que o debate tem sido levantado, seguindo os avanços da ciência e da luta pelos direitos das minorias, e lentamente o assunto vem saindo da zona de tabu para ser aberto o diálogo mais consciente e profundo em uma sociedade mais globalizada. Porém, não pode ser deixado de apontar, também, que no Brasil, particularmente, apesar de todo o diálogo que defensores das causas de direitos humanos e das minorias vêm levantando, há forte resistência da vertente religiosa e conservadora da sociedade quanto ao tema, afinal "Deus fez Adão e Eva, um homem e uma mulher".
Á esquerda, Einar Wegener e á direita, Lili Elbe |
Lili Elbe passou por todo o processo de aceitação e por uma série de cirurgias (sendo mais exata, cinco) para completar sua transição há quase cem anos atrás. Ela passou mais da metade de sua vida vivendo como homem e ganhou notoriedade, antes das cirurgias, por seu talento como pintor, pois abandonou a carreira após a transição. Ela dizia que o pintor era Einar e não ela.
Á esquerda, Gerda Wegener e á direita, Einar Wegener |
No domingo em que assisti "A garota dinamarquesa", ao conhecer Lili mais intimamente, foi inevitável resistir a história comovente dessa mulher: Corajosa para o seu tempo, para o momento em que iniciou toda essa jornada, no caso, estando casada na época e em uma Europa entre guerras, conservadora e machista. Alguém que buscou saber quem era independente de qualquer coisa e sua importância para o movimento LGBT+.
Mas, como meu primeiro contato com sua história foi pelo filme indicado ao Oscar e ele trabalha a história de Lili por intermédio de suas emoções segundo as suas relações, eu conheci uma outra protagonista dessa história e aprendi a admirá-la: A esposa de Einar, Gerda. Será ela a desencadeadora do processo de aceitação de Elbe, já que uma tarde não consegue uma modelo para fazer uma pintura e pede, então, ao atual marido para que se vista de mulher e pouse para ela. É nesse momento que Einar começa a tomar consciência da existência de Lili. E ela passa a dominar seu corpo e sua mente.
Cena do filme "A Garota Dinamarquesa", 2015 |
Entretanto, por trás de todo o encantamento, vemos duas mulheres passando por uma situação confusa e cada uma absorve de uma maneira diferente. Lili também chega a ser egoísta, manipuladora e até machista. Já Gerda, há horas em que entende que deve ajudar Lili a se encontrar, mas em outras ela tem rompantes de paixão por Einar e implora para que Lili deixe o corpo do marido ou que pare com aquele comportamento e volte a ser como era antes.
Em contrapartida, eu sou obrigada a acreditar que Gerda conseguia enxergar Lili através da aparêcia masculina de Einar. Quando Lili apareceu em meio a intimidade entre ela e o marido, Gerda abriu as portas como uma verdadeira anfitriã e a recebeu como uma antiga conhecida, como se ela sempre tivesse consciência que Lili estava lá, esperando o momento para se libertar. Tanto acredito nisso, que é só olhar para as pinturas que Gerda fez de Lili para identificar a intensidade com que ela desenhava seus olhos, os movimentos, a desenvoltura e desinibição, com expressões que poderiam ter diversos significados e as cores vivas.
Os quadro de Gerda Weneger retratando Lili |
Lili foi a exceção a uma regra que vemos hoje em dia. Ela teve a sorte, em meio a um tempo mais intolerante que o nosso, de encontrar amigos que a apoiaram e tentaram manter a naturalidade diante de uma situação que nem a própria Lili entendia, de ter uma mulher inteligente, segura, apaixonada e devota ao seu lado, que a apoiou e foi essencial para sua aceitação e um médico brilhante que enxergou uma mulher presa em um corpo masculino, e não um esquizofrênico ou pervertido como tantos outros a diagnosticaram.
Mais do que uma simples história, "A Garota Dinamarquesa" me fez pensar em quem sou, no quanto me conheço, como eu me vejo e como eu me sinto em relação a como eu me percebo. Ela me fez entender a urgência que se faz necessária em falarmos e entendermos as questões de gênero. Me fez abrir os olhos para enxergar uma realidade que poucos vêem e menos ainda a compreendem. Lili me instigou a refletir sobre quem eu quero me tornar ou como sou percebida em relação aos outros.
Chegou o momento de nos despirmos de nossas ideologias e falsos moralismos para compreendermos a história de Lili Elbe como uma história de identidade, de amor próprio, respeito por si mesmo. Olhar para seu relato e ter a sensibilidade de se inspirar para sermos nós mesmos, independente de orientação sexual ou identidade de gênero. Crença, raça, cultura, opiniões alheias e época. Apesar de Lili negar o talento para a pintura, achando que o pintor era o estado masculino em que nasceu, ela foi uma artista tão incrível quanto Gerda Wagener. Gerda explorou toda a liberdade de Lili em suas telas. Ela fascinou e fascina até hoje gerações. Mas Lili fez a mais difícil das obras: criar a si mesma, tornar-se livre e dizer a todos quem ela realmente era.
1 comentários
Gostei muito da sua reflexão e visão acerca a obra. Acabei de ver o filme e estou assimilando tudo. Foi bom ver pelos seus olhos.
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