[Crítica] Como eu era antes de você

23:56

Desde “Um amor para recordar” do Nicholas Sparks, os romances vem seguindo a mesma fórmula: Uma garota, um rapaz, uma intensa história de amor cativante e muitas lágrimas. “Como eu era antes de você” não foge ao padrão, porém não é possível dizer que ele tenha tantos clichês como outros filmes do gênero.


O longa conta a história de Louisa Clarke, uma garçonete que se vê desempregada em meio a uma crise na cidade em que vive no interior da Inglaterra. Em sua busca por um novo emprego, a garota vai a uma entrevista para trabalhar como cuidadora no castelo da família Traynor. Após contratada, ela conhece quem ela deverá cuidar e passar seus dias: Will Traynor, um jovem milionário, extremamente amargurado, que sofreu um acidente e acabou tetraplégico, ou seja, não possui nenhuma movimentação do pescoço para baixo e movimentos extremamente limitado nos dedos.

O enredo da história se desenrola em volta da interação e do envolvimento de Lou e Will. Porém, não é simplesmente a interação da cuidadora com o seu paciente até se transformar em uma paixão, não é simplesmente o envolvimento da menina pobre com um ricaço. É mais. E eis o grande diferencial: A missão de Lou não é só fazer companhia a Will e ajudá-lo em tarefas básicas como comer e colocar um dvd no aparelho para assistir, sua verdadeira missão é fazer com que Will Traynor redescubra os prazeres da vida, recupere a vontade de viver e ao final do prazo de seis meses desista da ideia de acabar com sua vida. (não gente, eu não dei um spoiler, isso acontece bem no começo do filme e é o gatilho para o desenrolar dele).

As personalidades de todos os personagens são muito bem trabalhadas e apresentadas, como é o caso de Louisa, alegre, cheia de vida, sempre com um sorriso no rosto e vendo o lado positivo de tudo, todos esses traços marcados delicadamente no seu figurino cheio de cores fortes e quentes, combinações nada convencionais, o que para alguns é o sinônimo de ridículo enxerga-se a delicadeza da personalidade de Lou. Will com suas vestimentas escuras, sua barba e cabelo sem corte, transparecendo suas mágoas, rancores, desilusões, acentuando ainda mais seu temperamento difícil e nada amigável. E conforme Lou vai quebrando suas reservas, as roupas e cores acompanham sua mudança.


A atuação da Emília Clarke no papel de Lou é no mínimo sensacional. Quem assiste Game of Thrones deve estar acostumado com a Daenerys Targaryen, a personagem interpretada por Emília, ela não tem muitas expressões, é fechada. No entanto, nesse longa, se fosse para definir com uma palavra a atuação de Emília Clarke seria sobrancelhas. Ela utiliza muitas expressões faciais o que, praticamente, obriga o espectador acreditar em sua atuação, ela vende Lou com muita convicção e você a compra com muita satisfação. Charles Dance e Janet McTeer interpretam os pais do Will e também conseguem transpassar muito bem a dor de ver um filho, que antes vivia a vida intensamente, preso a uma cadeira de rodas e sentindo o final do prazo da decisão dele se aproximar a cada dia.

Matthew Lewis e Gary Coleman, namorado e irmã de Lou, respectivamente, tem poucas aparições, mas dão o melhor de si no pouco tempo que aparecem. Matthew atua muito bem como o namorado cheio de si e viciado em esportes que não se importa com a namorada. Já Gary, retrata muito bem a irmã mais velha que sempre tem um bom conselho a dar e corre atrás de seu sonho para dar um futuro ao filho. Por fim, mas não menos importante, Sam Claflin interpreta Will, é uma interpretação boa, considerável, não é forçada e a química entre ele e Emília funciona muito bem, porém fica a sensação que falta algo a mais, como se ele fizesse apenas o necessário, quando poderia ter feito o inesperado.

Da esquerda para direita, Charles Dance, Janet McTeer, Matthew Lewis e Gary Coleman.

A direção fica a cargo da Thea Sharrock que conduz muito bem a trama, busca cenários lindíssimos, tornando a fotografia do filme de uma beleza e leveza típicas de um bom romance. A trilha sonora também é incrível, possui sincronia com as cenas e representam muito bem a aura romântica e dramática simultaneamente do longa. O roteiro é que deve ser questionado, ele ficou aos cuidados da própria autora do livro a qual o filme é baseado, Jojo Moyes, ela soube utilizar e medir bem as doses de drama, romance e humor no enredo, mas alguns diálogos são, claramente, mais utilizados para o âmbito literário que o cinematográfico, alguns personagens possuem falas tão extensas e cansativas que o espectador se perde entre uma frase e outra e acaba perdendo o interesse por aquele diálogo.


Apesar de tudo, de admitir que o filme é cativante, encantador e funciona muito bem na conexão de seus elementos, há um acontecimento que foi como uma onda em direção ao meu castelo de areia. Esse acontecimento pesou muito na hora de classificar esse longa. Não posso dizer muito mais aqui, porque se não, vou acabar entregando um grande spoiler, mas para quem já assistiu, logo abaixo eu vou deixar o spoiler e minha análise desse acontecimento. Para quem ainda não viu o longa, "Como eu era antes de você" é um filme que, assim como o livro, dividirá opiniões, é um romance "água com açúcar" que segue todas as regras de qualquer romance, mas que foge de todos os clichês Hollywoodianos, nada de amores a primeira vista, nada de pessoas perfeitas, nada de amores eternos. É aquele filme que te faz acreditar que o amor é uma coisa maravilhosa, que pode tocar e mudar alguém, mas o amor nem sempre é suficiente para transformar uma vida.







Bem, chegamos a parte polêmica da coisa, mas extremamente decisiva na hora de analisar o filme como um todo e quero deixar claro que é uma análise da mensagem do FILME, não li o livro e não é ele que está sendo discutido aqui, ok? Então, ok! Outro ponto, essa é a maneira que interpretei o enredo, se você discordar da minha opinião, sem problema, não há nada de errado em ter uma opinião diferente. Todos nós sabemos que toda produção que consumimos tem uma mensagem sendo passada, seja ela explícita ou não. No caso de "Como eu era antes de você", toda a construção do filme é delicada, afinal ele está retratando uma pessoa com mobilidade reduzida com seus próprios preconceitos, suas mágoas e não aceitação. Nós já vimos isso acontecer em "Os intocáveis" que tem seu enredo construído quase que com a mesma mensagem, a diferença é que um serve como incentivo à redescobrir a vida de outra maneira aceitando sua nova condição e limitações e a outra é ignorando todas as novas possibilidades de existência e desistindo dela.

Em "Como eu era antes de você", Will Traynor opta por cometer um suicídio assistido, pois ele não aceita sua condição de vida como um tetraplégico. Ele vai até uma clínica sueca chamada Dignitas (sim, essa clínica existe) e paga para que eles o apliquem uma injeção letal. A leitura que fiz dessa mensagem não foi boa, sinceramente, a construção da história auxiliou na formação do meu ponto de vista. E eu explico o porque, há outros filmes que trabalham com a ideia de "eutanásia" e em alguns eu consegui pelo menos compreender o ato de finalizar a vida, mas nesse caso é difícil entender: Will é milionário, tem os melhores médicos, uma casa adaptada, uma cadeira de última geração que atende suas necessidades como apagar e acender a luz, ligar a tv, trocar os canais, ligar o som. Seus pais dão todo o apoio e carinho, tem um enfermeiro particular, um jatinho para que ele possa ir onde quiser, a hora que quiser, condições para procurar e praticar atividades alternativas e o detalhe, a cereja do bolo, está apaixonado por uma mulher que o aceita do jeito que é. Ela o faz feliz, o ensina a viver novamente, mostra que a vida pode ser vivida de uma outra maneira do que aquela que ele conhecia e ainda assim, com todas essas facilidades, ele decide se matar. Eu acredito que é uma forma egoísta de finalizar a história, aqui não se trata de eutanásia, nem mesmo de respeitar ou não a decisão dele, é psicologia simples, o instinto do homem é viver, logo, quando o homem perde esse instinto algo não está certo em sua mente e grande parte disso é por conta da depressão.

Will é claramente depressivo e em momento algum o longa mostrou ou deu a entender que ele passou por algum tratamento psicológico, é natural que pessoas que fiquem com sequelas graves sofridas por acidente tendem a se deprimir, mas não procurar ajuda e a família aceitar que ele se mate é brincadeira, né?! É necessário levar em consideração que muitas pessoas vivem na condição que o Will se encontrava, a diferença é que a maioria delas não tem as facilidades que ele possuía, afinal acham que é fácil um tetraplégico pegar um voo comercial para passar um tempo em algum lugar paradisíaco? A mensagem é mesquinha e pouco construtiva para essas pessoas que enfrentam grandes dificuldades todos os dias para superar barreiras e adquirirem a própria aceitação e a dos demais. Em um mundo onde descobrir o sorriso em meio a tanta dor, ódio, guerra e sangue é quase raro, não deve-se incentivar a desistência da experiência da vida a alguém, só porque ela não possui as mesmas habilidades e capacidades que a maioria, não é verdade?! Incentivo e aceitação é o que se deve apregoar aos quatro cantos do mundo.


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4 comentários

  1. Eu também não concordei com o final quando li o livro, mas depois, analisando mais profundamente e assistindo ao filme, vi que ele fez isso porque era uma pessoa muito ativa, praticava esportes, era independente e amava a vida que tinha e, por isso, não conseguia aceitar ter que depender dos outros para tudo. No filme, as coisas aconteceram bem mais rápido do que no livro, então talvez tenha dado a impressão de que a família aceitou tudo facilmente, mas acho que eles só respeitaram a decisão dele quando perceberam que ele não mudaria de ideia.
    Gostei muito da sua crítica sobre o filme, ficou ótima!
    Beijos
    Bluebell Bee

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    1. Entendo esse lado, sim, claro! É um assunto bem delicado.. Mas é incrível a troca de ideias que essa história nos traz! É lindo ver pontos de vistas diferentes e o que eles nos causam!

      Muito obrigada por visitar, Bi!!

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  2. Oi, Barbara! Que nem você falou lá no meu blog, tem umas coisinhas que a gente discorda, mas ainda assim gostei muito da sua crítica! Também gostei da fotografia e dos cenários, fiquei até querendo visitar o lugar, haha. E sobre esse final, eu concordo com o que você falou (até comentei com alguns amigos que também viram o filme, que além dos pais e da Lou o cara tinha dinheiro, né, que pode proporcionar um enorme conforto mesmo na situação que ele estava), mas ao mesmo tempo eu ainda fico em cima do muro porque imagino como deve ser para alguém como o Will, que era tão ativo ficar dependente para tudo (eu acho muito triste quando ele fala sobre Paris, por exemplo)... Então acho muito complicado "escolher" um lado. Mas ainda assim não deixo de desejar que a história tivesse um final mais Os intocáveis mesmo.

    Beijos!
    Vestindo o Tédio

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    1. Ain, Bia, acho que o que mais me dói é que eu realmente comprei essa história, sabe?! EU acreditei em cada elemento e ela destruiu meu coração, não no sentido de "Ain, ele morreu". Mais no sentido de "Nossa, sério que eu acreditei no bang todo para acabar em nada?". Foi um pouco decepcionante para mim. Mas sem dúvida, é um filme muito lindo e se não fosse isso, certeza que eu daria 5 estrelinhas, e olha que eu só curto romances clássicos HAHAHAHAHA

      Obrigada por visistar!
      Beijos

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